02 Jan 2022  |   05:46am IST

A revolução verde na India: de país de fome a exportador de cereais

A revolução verde na India: de país de fome a exportador de cereais

Eugénio Viassa Monteiro

m 1943, quando Churchill era Primeiro Ministro do Reino Unido (RU), parte das colheitas da Índia foram desviadas para alimentar as forças aliadas na Europa. Mesmo como necessária reserva de alimentos em West Bengal e dos insistentes alarmes dos Comissários locais ingleses, para dar alimentos à população que estava a morrer, Churchill escreveu no papel do telegrama recebido na Índia: “Gandhi já morreu”? E foi inflexível em não distribuir alimentos à população local, moribunda, porque poderiam fazer falta aos cevados soldados ingleses. Em consequência, entre 1 a 4 milhões morreram em West Bengal, de fome e epidemias. E muitos terão sofrido as sequelas pela vida fora, em particular as crianças. 

Isso foi o clímax da inqualificável atitude inglesa. Diz Jeffrey Sachs (1) “A melhor ilustração da irresponsabilidade imperial britânica foi a sua resposta às repetidas fomes e doenças epidémicas durante a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX”. Calcula-se que tenham morrido entre 14 a 29 milhões, nesse período.

Por altura da independência, a fome e subalimentação grassavam na Índia, atingindo quase toda a população. A esperança da vida era de 32,5 anos!

Podem pensar alguns que a Índia foi sempre pobre, como nós a vemos, e que nada havia que fazer. A verdade porém é muito diferente. Referem economistas britânicos como William Dalrymple e Angus Maddison que entre 1600 e1700 a Índia continuava a ser o país mais rico do mundo. E daí, talvez, a pressa dos colonizadores por chegar, dominar e levar tudo quanto possível. Veja neste quadro:


Segundo William Dalrymple citadono TIME The Last Mughal

Dalrymple diz que de 22.5% de riqueza da India em 1600, ela passou para a fome e privação em 1870, pela atuação da East India Co. e da Coroa britânica. Entretanto, a riqueza de UK passou dos 1.8% para 9.1% da riqueza mundial!

A East India Company (criada em 1600), braço comercial e armado da Coroa britânica, dedicou-se a levar a riqueza para o RU. Os caminhos de ferro e os canais de irrigação que instalaram, foram primariamente para produzir e transportar algodão para o RU e depois trazer de volta têxteis manufacturados para vender na Índia, sufocando e destruindo a indústria local indiana,então com fama da mais alta qualidade. Em 1858 a Coroa britânica substituiu a EIC, deixando a India de rastos.

Jabez T. Sunderland (2), dos EUA, nascido em Yorkshire, escreveu: “Os seus têxteis – finos produtos dos seus teares, em algodão, lã e seda – eram famosos no mundo civilizado; assim como a sua requintada joalharia e as pedras preciosas talhadas nas mais diversas formas”…

Muitas famílias que trabalhavam na indústria têxtil tiveram de sobreviver na agricultura e outras emigraram para as cidades. A fraca produtividade e a carga de impostos fizeram abandonar a agricultura em muitos casos, reduzindo a produção.

A carência de alimentos continuou após a independência. Contudo, no país democrático, as bolsas de fome eram publicadas pela imprensae as autoridades tomavam medidas, importando, se fosse o caso, milhões de toneladas necessários, para chegar a todos.

O pior ano foi de 1969, quando Indira Gandhi teve de importar 9 milhões de toneladas métricas. Uma vergonha para um país com pretensões de grandeza, incapaz de alimentar a sua população! E daí que Indira tenha tomado medidas drásticas para acelerar a “revolução verde”, já em marcha, para obter resultados palpáveis que evitassem a saída de divisas. Faltava irrigar maior área e distribuir sementes de alta produtividade.


O que é a Revolução Verde?

O conceito veio do México, pela mão do agrónomo norte-americano Norman Borlaug, que obteve o Prémio Nobel da Paz em 1970. Na Índia, M S Swaminathan liderou o processo, para melhorar a produtividade agrícola com base na investigação agronómica e na tecnologia, como fez Borlaug. Este dedicou a sua vida a estudar o modo de aumentar a produção de trigo e arroz, por via da seleção das variedades mais produtivas e, ao mesmo tempo, resistentes aos excessos de calor e água. Elaborou um plano de cultivo, adubação, tratamento com pesticidas, irrigação, sempre experimentando, melhorando e utilizando as variedades e métodos mais promissores.

Ao finalizar a 2ª. Guerra Mundial muitos países tinham o problema da insuficiência alimentar. Em particular a Índia, pela notável incúria britânica, que tinha a população depauperada, subalimentada, a desfalecer.

De meados dos anos 50 até aos 70, a revolução verde veio a afirmar-se primeiro nas zonas irrigadas e com uma dimensão da propriedade que permitia investimentos em sementes selecionadas, em fertilizantes, pesticidas, etc. A área cultivada com sementes de alta produtividade cresceu de 1,68 milhões de hectares em 1966-67 para 78,4 milhões em 1998-99. E a produção foi crescendo; após o ano 1969 nunca mais houve necessidade de substanciais importações.

A urgência de ver resultados terá, talvez, posto num plano secundário a formação e informação dos agricultores para os cuidados na utilização dos fertilizantes e pesticidas. Quando em excesso, eles degradam os solos e eliminam uma grande variedade de insetos, desequilibrando o ecosistema e reduzindo a produção agrícola por insuficiente polinização. De qualquer modo, o aumento da produção de cereais foi notável, como se vê neste quadro:

Dos três cereais mais importantes, a produção aumentou mais de 5 vezes, de 1960 a 2021, bem mais que o aumento demográfico. Hoje, globalmente, a Índia pode alimentar toda a sua população, manter um stock desegurança e exportar, com tranquilidade, mais de 20 MT por ano.

Cada etapa da revolução verde encerra certa investigação: usar sementes selecionadas, expandir a cultura e repetir o ciclo da melhoria, tanto nas sementes, como nos processos de plantação, de fertilizantes, de pesticidas, de irrigação, etc. É uma metodologia, de fácil transposição para todo o tipo de agricultura. É aplicável à produção de fruta, do coco, da tâmara, etc., e por vezes com variedades geneticamente modificadas, como no algodão.

Com a cultura intensa ou quase exclusiva de uma variedade, reduz-se a biodiversidade. Consequências disso veremos a prazo, mas parece que a biodiversidade é, em si mesma, um valor a preservar. 

Resultado das ações em busca da autossuficiência alimentaré que a Índia é hoje: o 1º. produtor mundial de leguminosas, de banana, manga e juta; o 2º. na produção do arroz, trigo, cana de açúcar, amendoim, lentilhas e algodão. É dos maiores produtores de especiarias. Também é um grande produtor de peixe (do mar, dos rios e de aquacultura); de aves; de gado, e o 1º. produtor de leite (a partir de 1997).

Apesar de toda a melhoria registada, a produtividade da terra em cereais, é na Índia cerca da metade das economias desenvolvidas, talvez para não esgotar os solos exagerando nos fertilizantes ou por falta de dinheiro para eles. Se necessário, a Índia pode ainda dar um salto na produção de alimentos.


Referencias

(1) Jeffrey Sachs The end of Poverty,2005,pg.174

(2) Jabez T. Sunderland Indian bondage,1929 pg 367


IDhar UDHAR

Iddhar Udhar