17 Jan 2021  |   04:59am IST

Cinema e recreio dos anos 50 em Goa

Cinema e recreio dos anos 50 em Goa

Cristo Prazeres da Costa

Federico Fellini, um dos grandes diretores do cinema italiano dos anos 50, disse uma vez: "Cinema não é nada mais senão o sonho que cada um de nós tem, antes e depois de adormecer."

Durante a minha juventude em Pangim nos anos 50, desfrutávamos de vários tipos de divertimentos, destacando-se entre eles, os jogos de Futebol de rua, "Pic-mand", Folé, Combeá Zuz, e Goddés.

Todavia, o entretimento considerado principal e o mais desejado, era o de assistir a uma sessão de cinema: tratava-se do sonho mais imaginado durante todo o dia. 

Mas, para desfrutar do seu encanto, tal como desejávamos, era necessário ultrapassar duas dificuldades: primeiro, para não sermos acompanhados pelos pais, tínhamos de dizer que íamos passear, intrujice que praticávamos sem nenhuns problemas de consciência e segundo, era fundamental utilizar a imaginação para reunir os fundos indispensáveis para o pagamento do custo do bilhete de entrada. O mais barato, o da platéia, custava 8 tangas (0,5 rupias), que era então equivalente ao custo de dois pratos de bhaji-puri com chá no Café Tató ou duas horas de aluguer de uma bicicleta.

Quando os jovens, com dificuldades económicas, não conseguiam juntar 8 ou 9 tangas, para assistir à estreia de um filme como por exemplo, o Shane, um ‘western’ promovido com grande antecedência e muito elogiado, juntavam-se dois amigos e compravam um único bilhete. Um deles assistia à primeira parte, até ao intervalo e o outro à segunda. Durante o curto tempo do intervalo, o primeiro contava rapidamente (e acrescentava!) ao outro, aquilo que acabara de ver, comendo ao mesmo tempo os amendoins de um pouddi – embrulho feito de papel de jornal – que custava 1 tanga. Desta maneira, praticava-se um acto não só de solidariedade, como também se exercitava a memória e enriquecia-se o vocabulário, porque era preciso ter a capacidade de se lembrar e saber expor, sem falhas, os episódios essenciais e as aventuras mais marcantes dos principais atores. Além dos amendoins, as carroças à frente dos cinemas, vendiam:  ‘icecrut’ – água doce, corada e congelada, khanvchem pan – uma folha de bétel cobrindo pedaços de noz de areca, cal, etc. Não podiam faltar cigarros avulsos importados e os biddis locais.


O primeiro cinema em Goa foi o cinema Éden, localizado no sítio onde hoje se encontra a câmara municipal de Pangim, e cuja estreia se deu em 1920. Quatorze anos depois, Roulú Volvonta Rau e seu irmão Esvonta, antigos sócios do cinema Eden, construíram e dirigiram um novo cinema, o Cine Teatro Nacional. Era um grande e bonito edifício, situado no coração de Pangim, perto da Escola Primária Massano de Amorim. O espaço para a construção do cinema foi oferecido pela câmara municipal de Pangim. Tinha um grande palco, onde se realizavam peças de teatro, espetáculos de canções e música. Tinha um amplo balcão, que servia para aumentar o espaço visual e dava maior comodidade. Foi inaugurado a 25 de Novembro de 1934 com a estreia do filme O toureiro à força, pelo governador geral General João Carlos Craveiro Lopes, grande entusiasta do cinema.

Na cidade de Vasco da Gama existia o cinema Cine Vasco, pertencente a V M Salgãocar primeiro cinema equipado para exibição de filmes em cinemascope e inaugurado pelo governador geral General Paulo Bernard Guedes em 6 de Abril de 1956.

Em Margão, havia dois cinemas, desde os meados dos anos 30: o Cine Rex e a partir dos anos 40 o Cine-Olímpia. Cerca de 1950 foi encerrado o Cine-Rex, tendo nascido em sua substituição o cinema Cine-Latá.  

Em Mapuçá, nos finais dos anos 40, foi aberto o cinema Dasharatha Cinema e posteriormente, o Cine Central que era uma sucursal do cinema Cine Teatro Nacional de Pangim e inaugurado em 19 de Junho de 1955.

Na maioria desses cinemas havia duas sessões diárias e aos domingos uma ou duas extraordinárias – as matinées – às 10.30 horas ou às 16 horas.

Nos anos 50, vários grupos de goeses, estabelecidos na Índia, intensificaram as suas ações conducentes à libertação de Goa do domínio português. Isso aconteceu, sobretudo depois dos incidentes de Dadrá e Nagar Haveli. Em resposta, as autoridades portuguesas através do exército, procuraram de forma subtil, "a lusitanização" da população goesa feita pela  projeção gratuita de filmes portugueses nas praças das três principais cidades de Goa, de noite e ao ar livre. Em Pangim, os filmes em branco/preto eram apresentados no adro da Igreja Matriz, no Largo das Sete Janelas (hoje Azad Maidan), à frente do hospital militar e também em exclusivo, aos doentes do Hospital Escolar, onde hoje funciona a sede da IFFI. Assim, na capital, foram projetados pelos militares portugueses, entre outros os filmes Amor de Perdição, Frei Luís de Sousa, As pupilas do Sr. Reitor, Um homem do Ribatejo, e A Morgadinha dos Canaviais. 

O consulado indiano sito no edifício Imperial, em Pangim, organizava também, regularmente, sessões de chá, numa grande sala, onde havia cadeiras para os mais idosos e os mais jovens tinham de se contentar com o chão. Após a sessão do chá, apresentavam-se documentários sobre a vida social da Índia. No final da sessão cantava-se invariavelmente o hino nacional da Índia, o Jana Gana Mana.

Em todos os cinemas mostravam-se filmes de Hollywood, em inglês, bem como filmes de Bollywood em hindi. Ficam alguns exemplos de filmes de Hollywood, citados sem preferência:  Gone with the wind, Quo Vadis, Crimson Pirate, Ten Commandments, séries de Tarzan, Rashomon (japonês). Em 1957 estreou-se o primeiro filme em cinemascópio The Robe (1953) no cinema Cine Vasco. 

Alguns filmes indianos, como Shakuntala, Do bigha zamin, Teen Batti Char Raasta, Boot Polish, Shree 420 continuam a povoar a minha memória. 

O primeiro filme em concani Mogacho Anvddo produzido em 1950 e dirigido por Jerry Braganza, foi estreado em Mapuçá, no dia 24 de Abril de 1950.


IDhar UDHAR

Iddhar Udhar