18 Jul 2021  |   05:47am IST

Goa: Terra que desconhece ou despreza os seus artistas

Goa: Terra que desconhece ou  despreza os seus artistas

António Lobo

Goa tem sido berço de grandes vultos que se vincularam no mundo em variadas profissões tais como na de medicina, ciências, direito, literatura, administração, política, desporto e outras. Mas o que não é tão bem conhecido, e nem mesmo falado, é que ela também teve (e tem) pintores de calibre internacional tais como Vassasudeo Gaitonde, António Piedade da Cruz, vulgo Cruzo, o pintor favorito de Mahatma Gandhi, Chimulkar e outros. Mario de Miranda e Laxman Pai foram as raras exceções. Nesta crónica, porém, quero falar de três artistas que, conforme os connoisseurs, foram os que mais honra e glória trouxeram para a sua terra, mesmo que ela os tenha rejeitado ou ignorado ou deserdado

António Xavier Trindade (1870-1935), nasceu no Concelho de Sanguém, Goa. A família era oriunda de Assonorá, Bardez. Estabeleceu-se em Sanguém quando o pai que trabalhava para a alfândega, fora transferido para esse Concelho. Fez os seus estudos primários em português e, mais tarde, partiu rumo a Bombaim, onde tirou o curso pelo J.J.School of Art nas artes plásticas, optando por uma carreira artística “de perfil ocidental”. Fez um curso brilhante e foi nomeado docente na mesma escola em 1921. Em breve o artista foi ganhando fama e encomendas para retratar não só as pessoas ricas do meio social indiano, tal como a Lady Meherbai Tata, mas também europeus. Os seus trabalhos eram regularmente apresentados nos salões do BombayArt Society onde lhe foi atribuída a mais alta distinção, a medalha de ouro, com a qual foi galhardoado pelo quadro Dolce Farniente que retrata Florentina, sua mulher, recostada num sofá. Pintou a Dra. Annie Besant, uma senhora inglesa que escandalizou a gente do seu meio, associando-se publicamente ao movimento que pugnava pela independência da Índia. Os seus retratos incluem um da sua filha Esther reclinando, outro do John, seu cozinheiro, e um mendigo goês, além do auto retrato em verde. Pintou paisagens tais como Vista de Terraço em Mahim, Barcos de Pesca Goeses e quadros da natureza morta. Em Nasik, pintou cenas de banhistas e de templos. As suas obras encontram-se em exposição permanente em muitos museus principais da Índia, um dos quais é o Prince of Wales Museum of Western India, em Bombaim. É considerado como o Rembrandt de Goa. Todavia, segundo os entendidos, os seus trabalhos já demonstravam laivos de impressionismo. A Fundação Oriente em Panjim, a que foram oferecidas algumas obras do pintor pela sua filha, com a condição de elas serem adequadamente protegidas contra as intempéries do tempo, foram trazidas de Nova Iorque, tem uma exposição permanente na sua casa nas Fontaínhas, que inclui a referida Dolce Farniente.


Angelo da Fonseca (1902-1967) nasceu em Santo Estêvão, no Concelho das Ilhas, numa família de proprietários abastados. Era um dos dezassete filhos dos seus pais. Desde novo demonstrou uma tendência pelas artes plásticas, mas os pais opuseram-se a uma carreira que, segundo eles, não era “rendosa”. Prosseguiu para Bombaim e ingressou-se no Grant MedicalCollege que abandonou um pouco mais tarde, optando pelo JJ School of Art que também deixou por achar que os cursos eram demasiadamente virados para a arte ocidental. Decidiu  estudar no Shantiniketan, em Calcatá, instituição criada por Rabindranath Tagore e onde ele e o seu sobrinho Abanindranath Tagore eram professores. Após uns anos de estudo sob a tutela dos dois Tagore e de Nandalal Bose, tendo já alcançado um alto grau de proficiência, os seus mestres, reconhecendo a sua perícia, aconselharam-no a voltar à sua terra e buscar a fama. Angelo da Fonseca tinha já desenvolvido o seu próprio estilo que não tinha muito a ver com o estilo ocidental; admirava contudo o trabalho do Italiano Frei Angélico cuja influência, segundo o crítico e historiador Rupert Arrowsmith, se vê subtilmente espelhada nos trabalhos do artista. A arte do Angelo é uma fusão da arte Budista, Hindú  e Islâmica...contudo era católico de muita fé. O tema favorito das suas pinturas era a Virgem Maria que ele representava vestida de pano (capod), ou de sari, sentada numa postura clássica de ioga, a padmasana, de pernas cruzadas no chão, com uma flor branca de loto na mão. Era a sua intenção criar uma nova iconografia religiosa católica em Goa. O meio eclesiástico de Goa dos anos 1930, porém, muito conservador e provincial,  escandalizou-se com a atitude cosmopolita do artista, que ousava representar a Senhora e mesmo Jesus, em trajes indianos, profanando-Os e ultrajando-Os, segundo eles, dessa maneira. Condenaram-no e perseguiram-no com denúncias e opróbios lançados do púlpito. Angelo sentiu-se ameaçado e rejeitado, até mesmo pela sua família. Não podendo aguentar com isso, decidiu abandonar a terra e deixar a família. Foi a Puna onde viveu alguns anos num Ashram, onde  se encontrou com outros Goêses entre os quais, o poeta Bakibab Borcar e o Pe. H.O. Mascarenhas. Ali, longe de toda controvérsia, pôde dar largas à sua imaginação. Foi um período muito produtivo. Começou a ser conhecido e recebeu entre outras, encomendas do seminário jesuíta De Nobili de Puna, na altura dirigido por Pe. Heras. Ali pintou alguns frescos, e acabou por ser apadrinhado por este. Era muito versátil quanto ao meio. Trabalhava em tabuletas de madeira como também em barro, no pano, esculpia em madeira e trabalhava em muitos outros. Nunca se esqueceu da sua querida Goa e, nas suas pinturas, usava a terra vermelha dela que tinha levado consigo. Angelo Fonseca precedeu, por algumas décadas, à inculturação que não só foi permitida mas  encorajada  pelo Vaticano II, logo após a sua morte em 1967, de meningite. Arrowsmith considera-o como um pintor de classe muito superior, de envergadura internacional, mas que foi ignorado por muito tempo. Lamenta que os seus trabalhos, muitos dos quais a sua viúva oferecera ao Xavier Historical Research Centre em Porvorim, com a condição de serem expostos numa sala dedicada a eles, ainda não se tenha realizado, e espanta-se com o facto que, enquanto países como os  Emirados Unidos de Arábia construíram  museus onde exibem obras emprestadas de outros países por carecerem de artistas indígenas, em Goa que os tem, são, ou depreciados ou menosprezados!


Francisco Newton Souza (1924-2002), vulgo F. N. Souza, nasceu em Saligão, no Concelho de Bardês numa família católica. Era filho duma costureira. Aos 16 anos foi admitido no J.J.School of Art em Bombaim, donde foi expulso por se envolver no movimento Quit India contra o governo colonial Inglês. A expulsão não o impediu de exercer a sua profissão; ele desenhou e pintou. Mais tarde, juntamente com os artistas M F Husain (que lhe chamou o seu mentor), M H Raza e cinco outros, fundou o que chamaram o Grupo de Artistas Progressivos (PAG), que foi reputado de muito ter influenciado e dado corpo à corrente de arte moderna na Índia. Em 1947 decidiu ir a Inglaterra onde, depois de enfrentar grandes dificuldades, teve relativo sucesso, após as exibições das suas pinturas. Ele exibiu-as não só em Londres como também em Paris. Foi ainda mais conhecido na sequência da publicação dos seus livros Nirvana of a Maggot, um ensaio autobiográfico, publicado em 1955 e Words and Lines em 1959 e outros. No seu segundo livro, referindo-se ao ataque de varíola que sofrera quando muito novo, disse: “teria sido melhor se tivesse morrido, havia de me poupar muita angústia. Não teria de aguentar essa alma atormentada de artista, criando arte num país que despreza seus artistas e é ignorante da sua herança”. Hoje os seus desenhos e pinturas encontram-se no Tate Gallery e no Victoria e Albert Museum. Outrora, fora visitado pela polícia por ter exibido pinturas que alguém achara ofensivas ao seu pudor. Em 1957 foi alvo do prémio John Moores de Liverpool. Em 1970, foi a Nova Iorque onde exibiu as suas pinturas, tendo-lhe sido  atribuído em 1977 o Guggenheim International  Award. O governo do estado de Madhya Pradesh conferiu-lhe o prémio Kalidas Sanman em 1998. A sua arte reflete, segundo os cognoscenti, um espírito em revolta, especialmente nos primeiros anos da sua carreira. Ele  pôs em questão as noções da estética em voga, como também as percepções estereotipadas sobre a religião, o pecado e a sensualidade. As suas pinturas de mulheres nuas, em poses diferentes, escandalizaram o meio cristão da época. Ao presente, as suas obras têm uma procura muito grande e são leiloadas a preços fabulosos! Outrora foram vendidas por 51 rupias! Não foi feliz no matrimónio, e separou-se da mulher. Faleceu em Bombaim, depois de ter vivido alguns anos na América, onde morava também uma das suas filhas. Muitos museus no mundo, inclusive os de Delhi e de Bombaim, possuem as suas pinturas.  E Goa quantas tem? ...nem uma! Como bem diz o crítico Vivek Menezes: “associamos países com os artistas da terra; Não se pode pensar da Espanha sem pensarmos do Goya, nem da Bengala sem o Rabindranath Tagore”.

Este homem, com a fama que ganhou, nem sequer o seu nome é conhecido pela maioria dos seus conterrâneos...

IDhar UDHAR

Iddhar Udhar