01 Aug 2021  |   05:54am IST

QUEDA DA ELITE CATÓLICA GOESA

QUEDA DA ELITE CATÓLICA GOESA

Elgar Noronha

Anossa velha ‘elite’ que adoptara o Português e o traje Ocidental está hoje em micro minoria, marginalizada, desprezada e até ridicularizada. Eram proprietários; prosperaram e educaram-se. Construiram casas lindíssimas que são o primor da nossa terra e que por si e pela sua graça e grandiosidade falam mais alto do que se poderia escrever. Falam sim dos que as construiram e dos seus descendentes que lá viveram deixando atrás de si este fantástico rasto cultural, o primeiro, ùnico e ύltimo da sua espécie. Houve culturas híbridas subsequentemente, mas incomparáveis à  nossa. Praticamente todos os chamados `grandes homems’ de Goa saíram dentre essas.

Não me refiro a outras elites também Goesas, que continuam a ascender e prosperar. Como é que desapareceu e perdeu a relevância a antiga elite goêsa? As causas são algumas.

A emigração quase em massa. As famílias eram grandes: daí as casas tão grandes. O primogénito ficava a olhar pelos prédios, um ou atè dois iam para padres. Os empregos eram poucos. O Liceu era dificil na admissão. Uma escola mèdica. A advogacia era muito limitada. Engenharia não havia. Numa palavra não havia oportunidades. Os pais encorajavam os filhos a saírem de Goa.

Dizem os sociólogos que a história é o ascender e o declínio das elites: foi assim em Goa. A emigração e outras causas, visíveis e tangíveis sabem-nas todos: nada de novo.

A meu ver a queda dos Goeses foi e continua a ser essencialmente espiritual e moral.

Abençoados por Deus com tudo; tudo mesmo: propriedades, muitos filhos, abundância, riqueza, boa saύde, educação e instrução, mύsica, canto, dança, festas, jantares, alegria infrene, estatura, poder, respeito e altos cargos na sociedade e no funcionalismo, aqueles belos Mucadões, Caseiros, Arrendatários, Manducares, Cultivadores, empregados e criados que fiel e honestamente tratavam de tudo, tudo isto e muito mais: onde se foi isto tudo? Eu sei que as tais Reformas Agrárias que alguém chamou ‘extorsão à luz do dia’, nos tiraram as propriedades. Mataram também a agricultura em Goa. Junto com a Democracia eleitoral deram-nos a bela Goa de hoje onde nós (e as nossas casas erradamente apodadas ‘casas portuguesas’) tornámo-nos espécies em rápida extinção ou tipo de animal raro no jardim zoológico perante o qual todos se esbugalham.

A razão fundamental do declínio é a frivolidade espiritual, falta de oração, quebra da relação com Deus. Nas nossas famílias era Deus que mandava. Todos rezavam, incluindo os homens.

A bela tradição de mandar um (dois e até três) filhos para padres morreu, como tantos outros bons costumes. Os padres santificavam as famílias. E traziam certa fineza ao Clero que hoje gradualmente está-se a perder.

Eu tenho uma história clássica duma família muitíssimo abastada: dizia-se que era a mais rica da terra. Tudo corria bem. Mas a velha Matriarca da família, ia à missa todas as manhãs com lençol branco na cabeça e sentava-se no chão junto as mulherzinhas do povo. Sabia que na casa de Deus era como os outros. Como sabemos nas nossas capelas antigamente só muito poucos sentavam-se nos bancos. A velha morreu. Começou o declínio que eu ví com os meus olhos. A história foi-me contada repetidas vezes por uma sua bisneta. Histórias deste tipo devem ter-se dado em muitas, talvez em todas as famílias. Eu sei algumas mais. Em muitas famílias seguiram-se pragas Bíblicas, quase literalmente.

Um aspecto universal e fundamental é o tal orgulho da família, casta, antepassados illustres, filhos brilhantes (no estrangeiro), irmãos, tios e outros parentes célebres. Aquelas casas, mansões, solares e palacetes (vocábulos hoje rediscobertos conforme o grau da vaidade), aquela mobília lavrada, o soalho de mármore, os retratos na sala, os ovos de avestruz trazidos da África pelo Primo fulano, a pele de tigre do tio caçador, as arcas da China do tio Missionário, a espada do bisavô, a louça, sofás e cadeiras de rotim trazidas de Macau, o magnífico jazigo da família, o ‘pano baju’ da bisavó, a machila relegada ao ‘maddó’ da loja de cocos – são motivos da mesma vaidade. Descobri pessoas e até uma certa aldeia onde ‘falar Português’ é sinal de ostentação, um cavalo de batalha.

O orgulho inclue vaidade, arrogância e falta de humildade. Boas e finas maneiras não são humildade; ás vezes escondem a vaidade e arrogância. À menor provocação a serpente sai para fora com o capelo eriçado. Há o caso também verídico dum muito alto e brilhante funcionário, figura finíssima e sua esposa, ambos aristocratas, que foram derepente varados por circunstâncias e reduzidos a fugitivos. Nunca mais levantaram a cabeça. Mas uma coisa ficou na senhora até a morte: o orgulho. 

São altamente educados, mas não sabem como aplicar a sua cultura às crises do dia. Sabem minumciosos detalhes da nossa história; mas tudo armazenado nas estantes da memória. Por ignorância do Concanim, manias de superoridade, grande distanciamento social e total falta de espirito de serviço do próximo, encontram-se totalmente isolados das massas que simplesmente os desprezam como mobília velha. Há também idéias quixóticas totalmente alheadas da realidade mas às vezeas furiosamente propulsionadas. Há oportunismo, cobardia e o conhecido sindroma dos caranguejos : com que deixamos morrer os valiosos líderes politicos que tinhamos. Já não existem na vida pύblica; só temos alegres re-encontros nos funerais.

Foram-se as propriedades mas as poucas que restam são matéria de prolongados Inventários. Dizem as partes que não estão a lutar pelo dinheiro mas por ‘uma questão de principio’. Antigamente as filhas desistiam. Hoje os seus descendentes, ausentes por décadas, em pontos distantes do planeta como a Patagónia ou Tombuctu, voltam â carga contra o infeliz irmão que sempre esteve cá, a correr aos tribunais e advogados pelos interesses da família: ‘cultura goesa’, ‘s’il vous plait’.

Muitos perguntam-me em privado e em confidência porque estamos assim marginalizados. Aí estão algumas observações e reflexões. O resurgimento tem de necessariamente começar com a fé. Tudo o mais soma e segue.

IDhar UDHAR

Idhar Udhar