
Agnelo Furtado
coqueiro é uma árvore universal emblemática de Goa. Nenhum postal ou pintura de Goa seria completa sem um coqueiro no fundo do padrão. As caricaturas do afamado Mário Miranda acentuam a silhueta do coqueiro nos quadros das cenas aldeianas, dando um timbre da essência Goesa. A costa litoral de Goa tem uma abundante plantação de coqueiros na frange das praias, para fortificar as dunas da área porque as raízes do coqueiro criam uma proteção natural contra as marés altas e ao mesmo tempo oferecem frescura e ar puro para respirar. A extensão lineal da carreira dos coqueiros nos valados, ao redor das várzeas e das lagoas, dá a largueza da sombra e um abrigo ao trabalhador, para a sua refeição quotidiana e para uma sesta no fim dum trabalho árduo. Na brisa do verão, o tronco da palmeira vacila numa dança elegante e os churtos suspiram um sussurro romântico. Quantos namores não terão florescido na sombra do palmeiral nas noites de luar? - frase que ressona no canto de Ulhas Buyão em Concanim.
Existe muita especulação de onde originou o coqueiro. O nome coco é derivado do Português, o coco descascado tem aparência do crânio humano, com duas aberturas para os olhos e uma para a boca. Existem várias teorias: uma é que o coco originou nas regiões de Australásia, Malásia, Filipinas e veio flutuando para as ilhas de Andamão, Nicobar e Ceilão (Sri Lanka) e depois para a costa da Índia. Outra teoria propõe que o coco foi introduzido pelos marinheiros indígenas das ilhas da Micronésia. As pesquisas indicam duas distintas variedades de cocos, originadas nas Ilhas de Madagáscar, Comoros e outra na Malásia e Filipinas. Foram os Espanhóis e os Portugueses que espalharam o coco em várias partes do mundo.
Na lingual Sânscrita, o coco tem a nomenclatura ‘Kalpa Vriksha’, e é considerada como uma fruta divina que satisfaz todas as necessidades humanas. A utilidade do coqueiro é fenomenal porque não há nenhuma parte do coqueiro que não seja utile dizem que o coqueiro tem 365 utilidades. Vou enumerar aqui apenas algumas empregando nomes típicos em concanim:
n O tronco é usado para construir choupanas/cabanas, que são cobertas com churtos. A cabana torna-se aerodinâmica e desvia o vento forte e até a tempestade. Os pescadores construíam cabanas nas margens altas das praias usando os troncos dos coqueiros.
n Pode também ser rachado em quatro ou mais partes longas e usado como traves para os tectos das casas antigas.
n O tronco é também usado para construir pequenos pontões sobre valetas e riachos e barragens das águas.
n A fibra da casca (o endocarpo) é usada para fazer cordas e colchões que são mais frescos e saudáveis do que os de algodão.
n Os churtos são tecidos e molas, que eram utilizadas para proteger as paredes das casas durante a monção. As dançarinas de Hawai (Hula), ondulam nas saias feitas das folhas verdes e o corpo superior é protegido só por duas copas de xereta do coco, mas que linda dança e imaginação!
n As mulheres trabalhadoras usavam como capa o conddó, feito de churtos, durante a monção para trabalhar nas várzeas (arrozais).
n Os icles são usados para fazer vassouras para varrer e limpar as casas e jardins.
n As joias de ouro que as senhoras usavam eram trabalhadas pelos ourives nas brasas das xeretas do coco. Eram usadas igualmente para esquentar o ferro de passar, para engomar as roupas. A xereta era utilizada para fazer colherões chamados doulés.
n O coqueiro fornece uma variedade de produtos alimentícios, sendo o leite extraído da copra, usado para preparar o caril, a refeição quotidiana de todos Goeses. O humilde arroz e caril é o carimbo da tradição da nossa terra. É com certeza uma casa Goesa, com arroz e caril sobre a mesa.
n O coco é muito usado na culinária Goesa. Inúmeros doces são feitos de coco: bebinca, bolinhos, dodol, doce de grão, etc.
n A sura (seiva) colhida 3 vezes ao dia, é usada para fermentar as sannás feitas para ocasiões festivas. Esta ‘sura’ dá um aroma e sabor típico e especial, às sannás (um bolo fermentado de arroz) e à apa de camarão. Quando a sura é fermentada, ela resulta no vinagre usado como um conservante. A acidez do vinagre é primordial nos afamados chouriços de Goa, no vindalho (vinho com alho), na sarapatel (versão goesa do sarabulho alentejano), numa conserva de peixe seco chamada pará e no balçhão de camarão.
n O coco é muito usado nas cerimónias religiosas dos Hindús, como casamentos e festividades e é distribuído em forma de Prassad um símbolo de graça divina. O coco também é usado extensivamente na culinária Hindú, para preparar pratos vegetarianos de legumes como cotcotem, ussad, e para os doces como neureus, ladús, etc.
n A água do lanho contem muitos minerais. Refresca, mata a sede e canseirae é recomendada para os doentes como um diurético.
Em tempos da abundância do mar, o peixe seco misturado com bosta seca era usado como estrume orgânico para os coqueiros.
Existe uma cerimónia muito curiosa e tradicional, chamada Rôsse (equivalente ao bachelor's party). Antes do dia do casamento é costume banhar o noivo e a noiva em suas respetivas casas com leite (sumo) da copra do coco, numa festa de amigos íntimos, a onde se canta o Mandó e as Dulpodas e outras danças folclóricas.
n Antigamente a cozinha goesa somente conhecia o óleo do coco. O óleo era também aplicado ao corpo dos bebés para fazer a massagem à pele e para fortificar os ossos e os músculos. O óleo do coco extra virgem tem valor medicinal, é muito rico em ácido laurico e tem propriedades anti-bacteriaise anti-infamatórias. É igualmente utilizado para fazer massagens para reduzir inchaços e torcimentos das junturas bem como na higiene dental. O óleo de coco é usado na indústria cosmética, e farmacêutica (de sabão, shampú, creme, etc).
n O Feni destilado da Sura num grande calão de barro chamado ‘Bati’ e coligido num calão menor chamado Colsó e depois engarrafado, é um produto do coqueiro que é muito apreciado. Todos os trabalhadores chamados Manães tomavam um copito deste aguardente após o trabalho.
Em Goa existiam vários tipos de coqueiros, a variedadede Ceilão que é muito alta, o coqueiro Bárico que é extremamente doce, etc.
Nos séculos passados a economia de Goa era dominada pela produção do coco. Goa produzia grande quantidade de esplendidas qualidades de coco, que eram muito procuradas e exportadas para as outras partes da Índia e da África. Em tempos, o coco era como uma moeda corrente, paralela à estatura social do proprietário e medida pelos milhares de cocos colhidos por cada colhimento. O proprietário que barafustava era conhecido como ‘Poké Bakár'. Em Salcete, para alertar o bairro, o colhimento começava de manha cedo com um longo uivo, uma imitação da raposa, e o vigia (Tol) do palmar tinha de prestar as contas dos cocos secos caídos das árvores. Um individuo chamado julgador (Olêr), fazia uma marca no tronco do coqueiro com uma chapa, marcando assim quantos coco secos tinham já caído para o chão, antes do dia do colhimento. A fortuna corrente do proprietário conhecido como (Batkar) era o montante do coco no godão da casa, que era vendido aos negociantes Hindús que vinham geralmente vestidos de Pudvem, casaco corado e um Topi vermelho. No godão de cocos existia invariavelmente uma cobra capelo, a quem se referia como Mam, que vigiava os coqueiros, ou assim se acreditava. Os trabalhadores rogando pediam para ela sair e ela na maior parte das vezes, saía vagarosamente com grande imponência e ficava no seu posto de sentinela até terminar a contagem. Todos a respeitavam dizendo que ela era a vigia da casa (Gorchó).
Quando uma pessoa Goesa não usa a sua inteligência, é costume chamar-lhe ‘Bondó’ que significa um coco oco, e a um burro velho que não aprende língua nova chama-se ‘Morond’, (coco muito velho que tem os miolos prestes a germinar).
A produção do coco esta a diminuir drasticamente, devido ao corte dos coqueiros pela esquerda e pela direita, em nome do desenvolvimento e da indústria. Para facilitar o corte, tentou-se até classificar o coqueiro como uma erva (grass), uma loucura legislativa e executiva. Um amigo meu, Cristo, fez-me lembrar que nos anos 1942 e 1952 tinha aparecido em Goa, originada de Sri Lanka, uma peste em forma de um insecto, NefantisSerinopa, que atacou os coqueiros em grande escala, causando danos severos, mas após as monções e grande esforço da antiga Repartição de Agricultura a peste tinha desaparecido. Porém, hoje temos outras pestes chamadas Mites para além da carestia e falta de derrubadores.
Com a queda dos coqueiros desaparecerá uma grande parte da nossa cultura e tradição. Vamos brindar a esta árvore magnânima com um copito de feni.
Viva o coqueiro!